Elo entre consumidores e fabricantes, o segmento da Arquitetura de Interiores pode contribuir para mudanças sustentáveis significativas em toda a cadeia envolvida no desenvolvimento de um projeto e execução de obras. Para aprofundar o conhecimento e despertar a consciência dos profissionais sobre os benefícios e impacto dos produtos especificados e as melhores práticas nas obras foi criado um Grupo de Trabalho (GT), a partir da iniciativa Arquitetura Responsável, lançada pela Associação de Arquitetos de Interiores (AAI Brasil/RS) nesse ano, com consultoria especializada. O resultado inédito dos estudos será divulgado em novembro, em um e-book, que buscará estabelecer parâmetros para arquitetos e urbanistas com informações para especificação, sobre produção, principais insumos, processos de descarte ou reciclagem, certificações existentes e estratégias de eficiência energética.
Realizado com a consultoria da DUX Arquitetura & Engenharia Bioclimática, o trabalho incluiu o estudo sobre produtos/materiais sob aspectos de sustentabilidade. Entre os itens considerados pelo GT estão vidros e tintas, materiais de rotina para a Arquitetura de Interiores. “Uma condição muito importante é como e em que situação é usado um produto e para qual caso ele é necessário”, enfatiza a arquiteta e urbanista Maria Andrea Triana Montes, da DUX. O grupo também desenvolveu uma pesquisa, que será aplicada oportunamente, para com empresas fornecedoras para conhecer como o mercado está tratando a questão energética e de responsabilidade ambiental e social em seus processos de produção.
Vidro: análise da fabricação ao descarte
O vidro, exemplifica ela, é essencial para a conexão entre o interior e o exterior, para permitir a incidência de iluminação natural nos ambientes internos e está ligado ao desempenho térmico da edificação. Por isso, é tão importante cuidar das escolhas feitas em um projeto para garantir uma boa performance no espaço e o conforto dos usuários. “Fachadas com muitos vidros em áreas com insolação direta, que não sejam especificados da maneira adequada, podem levar a um maior consumo de ar condicionado”, aponta. Entender as características das diversas opções disponíveis, como o fator de calor solar, a transmissão de luz visível, as propriedades de reflexão, além de verificar quais delas se adaptam melhor às necessidades de cada projeto, são um caminho para o aperfeiçoamento da especificação dos insumos.
Pensar no ciclo completo do produto, desde a sua fabricação até o descarte, também contribui para a seleção mais correta dos materiais, levando em conta sua composição, meios de produção e durabilidade. Maria Andrea salienta que um dos principais impactos do vidro para a natureza está na sua destinação inadequada, pois ele leva muito tempo para se decompor. Apesar de ser, em teoria, 100% reciclável, a inserção de alguns elementos na fabricação do vidro pode dificultar ou até impedir o seu reaproveitamento.
Sobre os avanços do mercado, ela comenta sobre o desenvolvimento tecnológico dos vidros para edificações, principalmente em relação ao controle solar. “Porém, a discussão sobre reciclagem não é algo muito presente entre os fabricantes dessa área, em especial relacionada aos consumidores finais. Há poucas companhias que reaproveitam os vidros e separam, quando necessário, seus componentes”, afirma.
Novas soluções buscam resultados com menor impacto ambiental
Tentar aproveitar vidros em modulações que facilitem uma futura desmontagem e distintos usos, comprar de vidraçarias que participem da coleta de cacos desse material e considerar a relação desse elemento com a orientação solar do ambiente são outros recursos para tornar a Arquitetura de Interiores sustentável, conforme a arquiteta e urbanista Adelia Preis, participante do GT da AAI Brasil/RS. “Considero esse material muito importante no nosso setor, podendo ser empregado para fechar varandas sem tirar a iluminação natural, ou no mobiliário, para transmitir sensação de leveza e luminosidade”, descreve.
A arquiteta e urbanista Carolina Burin revela que “uma coisa que não vamos mais especificar nos projetos do escritório são os espelhos colados em parede ou em fundo de madeira, pois, para mudá-los ou reformulá-los, só quebrando, o que gera resíduos e desperdício”. Com essa nova percepção dos produtos, ideias diferentes podem ser sugeridas aos clientes no caso de alterações, como forrar espelhos com tecido ou outro revestimento. “A partir do estudo do GT, vamos entrar mais nos detalhes dos materiais, na avaliação dos prós e contras das alternativas para especificar os insumos”, acrescenta Carolina, associada à AAI Brasil/RS, que também fez parte do Grupo de Trabalho Arquitetura Responsável.
Tintas: desafio do reaproveitamento e da utilização de insumos mais naturais
A emissão de compostos orgânicos voláteis (COVs), que afetam a saúde humana, é o maior problema causado pelas tintas, argumentam Maria Andrea e o engenheiro Olavo Kucker, sócios da DUX. Diferentemente de outros países, no Brasil não há regulamentação sobre os limites de COVs a serem seguidos pela indústria. Outros problemas relacionados a esse tipo de produto são a dificuldade de descarte de latas e o impacto que pode ocorrer com os efluentes líquidos na limpeza de rolos e pincéis, por exemplo.
“Existem opções de tintas naturais, com base de água e sem emissões tóxicas, que podem ser especificadas pelos arquitetos”, assinala. Maria Andrea relata que outra possibilidade para os profissionais é utilizar, como balizador para a seleção de fornecedores, o Programa Coatings Care, da Associação Brasileira de Fabricantes de Tintas (Abrafati), que permite o monitoramento de indicadores de consumo de água, energia e manejo dos resíduos das empresas. Ela sugere a especificação dos produtos com os menores índices de emissão de COVs, com preferência à base d’água, e com fornecedores participantes do Programa Setorial da Qualidade – Tintas Imobiliárias. Já em relação ao descarte das latas, a arquiteta recomenda entrar em contato com iniciativas que deem o destino às embalagens, como o Programa Prolata Reciclagem, que faz a conexão com cooperativas de recicladores e postos de entrega voluntária, entre outros.
Maria Andrea reforça a relevância dos profissionais optarem por empresas certificadas para recolher resíduos e de questionarem sobre ações de logística reversa (fluxo físico de produtos), cobrando atitudes nesse sentido. Inclusive, considera que o maior gargalo atual da economia circular (conceito no qual os restos de materiais são a base para a fabricação de novos produtos) está na indústria, em assumir o papel de criar mecanismos para receber resíduos de obras e dar a eles o encaminhamento correto. “Essa atitude acarretaria a oferta de novos postos de trabalho e um destino racional aos insumos, prevenindo o ambiente de ser contaminado para as gerações futuras”, defende.
Com a consultoria da DUX, além das arquitetas e urbanistas Adelia Preis e Carolina Burin, participaram também do GT Arquitetura Responsável as arquitetas associadas e convidadas Ana Paula Bardini, Bettina Faraco, Gislaine Saibro, Karen Hass, Liane Echeverry e Silvia Barakat. A iniciativa deste projeto, em 2020, contou com o patrocínio do CAU/RS. Em novembro será publicado o e-book resultante deste trabalho inédito no setor da Arquitetura de Interiores.
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