“O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas as coisas desse mundo, não conhece a linha reta.” O trecho do livro Cadernos de Lanzarote, de José Saramago, foi tanto uma inspiração para a palestra do arquiteto e urbanista Ivo Mareines na segunda edição, de 2020, do evento vivênciAAI, da Associação de Arquitetos de Interiores do Brasil/RS (AAI Brasil/RS), como uma metáfora para sua trajetória profissional, repleta de caminhos curvos que levaram a projetos arquitetônicos singulares, que aliam forma, sustentabilidade e arte. Sócio-titular da Mareines Arquitetura, escritório aberto em 2017 em parceria com o arquiteto belga Matthieu Van Beneden, Mareines é graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Braz Cubas (SP), mestre em Filosofia Contemporânea pela PUCRS, artista plástico e reconhecido nacional e internacionalmente por suas construções únicas.
Os traços curvos, orgânicos e a integração com o entorno, muitas vezes gerando um mimetismo com a natureza, marcam suas obras, assim como o olhar atento às soluções de menor impacto ambiental. Em sua apresentação “O destino desconhece a linha reta”, que ocorreu em 20 de outubro, no formato on-line em transmissão fechada, o arquiteto mostrou alguns de seus principais projetos, destacando a importância de estar constantemente ampliando o vocabulário arquitetônico, agregando novos conhecimentos e tecnologias aos trabalhos. O evento foi publicado no CanalAAI, no YouTube, e está disponível em modo público. Clique aqui para assistir.
Arquitetura singular
A Casa Folha, erguida há mais de 10 anos em Angra dos Reis (RJ), é, para ele, um símbolo na carreira e um exemplo desse aprendizado. Os índios brasileiros foram a referência para o desenvolvimento do projeto. A arquitetura indígena (exemplo do Xingu), ressalta o profissional, é leve, pode ser moldada para produzir espaços de grandes dimensões, com ocas que abrigam de 20 a 30 pessoas e que são bem boladas em desenho, inclusive no escoamento da água dos enormes telhados. Considerando tudo isso e o clima na cidade fluminense, o arquiteto planejou uma residência com uma ampla área sombreada e uma estrutura que permitisse que o vento percorresse todo o térreo de forma aberta e boa parte do segundo piso, que tem quatro suítes com esquadrias curvas que, quando abertas, transformam-se em um enorme terraço.
Entusiasta das maquetes físicas, nessa construção, assim como em outras, ela veio primeiro que os desenhos e já trazia a ideia de uma forma eficiente para a casa. Um exemplo disso é que cerca de 50% da água da chuva que cai sobre o telhado é captada por meio único tubo de PVC instalado dentro de um imenso pilar central de aço corten que sustenta a maior parte da cobertura. “Por ficar perto da praia, usamos madeira laminada colada na estrutura do telhado, pois é um material renovável e versátil, um ótimo isolante acústico e térmico e demanda menos energia em sua fabricação”, observa Mareines. Naquela época, lembra ele, foi preciso encomendar as vigas, de 25 metros de comprimento, de um fornecedor do Rio Grande do Sul, com transporte via mar, o que se justificou por não haver outro fornecedor em todo o país.
Pirâmide da sustentabilidade
Ao longo do evento, que teve como debatedora a arquiteta e urbanista Audrey Bello Ramos, da Ydesign Studio de Projetos e Sustentabilidade, e como mediadora a arquiteta e urbanista Gislaine Saibro, presidente da AAIBrasil/RS, Mareines detalhou o processo construtivo de outros projetos, como a Casa Pássaro – idealizada para uma artista plástica na floresta da Tijuca (RJ) – e a sede dos escritórios Glem, na Lagoa, também no Rio de Janeiro. “O desafio aqui era levar luz natural para um ambiente que ficava sob uma arquibancada de concreto para competições de remo”, recorda. Ele elaborou uma estrutura vazada que abrangia três andares desse prédio e solucionava o problema de iluminação com um elemento escultórico.
A experiência em tantos projetos, como a Casa Onda, em um terreno escarpado no Rio de Janeiro, e a Casa Pinhão, em Campos do Jordão (SP), levou o arquiteto e sua equipe a estabelecer uma Pirâmide de Sustentabilidade que orienta os seus projetos. Em sua base, estão as soluções projetuais, de baixo custo, que envolvem o ponto de partida dos trabalhos, como definir a correta orientação geográfica, ventilação, dimensão das aberturas e uso adequado da água e energia. As próximas etapas reúnem as soluções construtivas, desde a utilização de materiais adequados, boas práticas em edificação e demolição e transporte até a escolha de equipamentos, como ar condicionado e de automação. A ponta da pirâmide, de custo elevado, contempla as eventuais correções de erros cometidos na base, a ser evitadas.
Para ele, vive-se um período de transição da Arquitetura para um modelo mais customizado dos projetos, com a indústria fazendo essa personalização com menores custos. E a tecnologia será uma grande aliada nesse sentido. A casa que desenvolveu em Punta Cana, na República Dominicana é, para o profissional, um exemplo desse novo cenário, na qual usaram modelagem e fabricação digital. “Trabalhamos com maquetes eletrônicas, geometria complexa, com curvas em duas direções e programas mais avançados. Tínhamos que seguir o código de furações da Flórida (os proprietários são norte-americanos) e aprendemos muito nessa obra”, afirma. A estrutura foi produzida na França, com ajustes milimétricos e encaixes internos das ferragens na madeira para proteção da maresia.
A residência, que não tem porta e conta com vidros de 5 metros de altura e amplos espaços integrados, possui móveis, principalmente, de designers brasileiros, como Hugo França, Sérgio Rodrigues e Claudia Moreira Salles. O mobiliário, revela Mareines, é muitas vezes desenhado pelo escritório para suprir as necessidades dos ambientes. No entanto, ele acredita que o ideal é ter a Arquitetura de Interiores desenvolvida em conjunto desde a concepção da proposta, assim como o Paisagismo, para alcançar melhores resultados. Em seus projetos, não existe limite entre as diferentes dimensões/expressões da Arquitetura. O profissional complementa que uma boa Arquitetura está baseada na relação entre arquiteto, equipe de engenheiros e construtores e clientes. “Nosso trabalho é sempre com o outro; não é fácil. Mas, cada novo projeto traz um desafio, um objetivo diferente, e isso é maravilhoso”, acredita.
O vivênciAAI é uma iniciativa da AAI Brasil/RS que conta com o patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS) e apoio de AsBEA RS, FENEA, IAB RS, SAERGS, e Sindividros.
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