Ampliar a consciência na atuação profissional, na especificação de projeto e na execução de obras de Arquitetura de Interiores, e consolidar uma postura responsável junto aos clientes e mercado. Esse é o objetivo do projeto Arquitetura responsável, lançado este ano pela AAI Brasil/RS.
Trata-se da criação de um Grupo de Trabalho com consultoria especializada em Arquitetura Bioclimática para estudar e debater práticas de sustentabilidade na Arquitetura de Interiores. Como resultado desse trabalho, que está sendo executado. No segundo semestre deste ano, será produzida uma publicação, em formato digital, que servirá como parâmetro de referência para o setor.
A consultoria contrata é a DUX Arquitetura & Engenharia Bioclimática, empresa especializada na proposição e implementação de estratégias de sustentabilidade e eficiência energética no ambiente construído. A empresa é comandada pela arquiteta e urbanista María Andrea Triana Montes, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na área de sustentabilidade nas edificações e Doutora em Engenharia Civil junto ao Laboratório de Eficiência Energética em Edificações (LabEEE) da UFSC, no qual participa como pesquisadora; e pelo engenheiro de produção civil Olavo Kucker Arantes, Mestre em Engenharia pelo Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da UFSC, atual presidente do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS).
Eles também participam do evento vivênciAAI – Arquitetura Responsável: oportunidades e desafios da sustentabilidade em Arquitetura de Interiores, que será realizado no dia 30 de julho, em formato on-line. Clique aqui e saiba como participar.
Nesta entrevista à revista eletrônica AAI Digital, María Andrea Triana Montes e Olavo Kucker Arantes destacam a importância do papel do arquiteto como catalisador de grandes mudanças no setor produtivo da construção civil. “As nossas escolhas são importantes para o futuro que queremos ver no nosso planeta.”
AAI Digital – Como inserir aspectos de sustentabilidade nos projetos de interiores?
María Andrea – Quando pensamos em sustentabilidade, pensa-se em ter um balanço entre as questões ambientais, sociais e econômicas. E sustentabilidade envolve muitos aspectos, desde o ponto de vista ambiental, com uso racional de recursos como água, energia e materiais, a ambientes que tenham uma qualidade ambiental interna adequada em termos de conforto térmico e lumínico, com baixo consumo energético, assim como com conforto acústico e, de forma geral, ambientes que geram bem-estar aos seus usuários. O conceito de sustentabilidade está, também, fortemente associado com o pensamento do ciclo de vida, o que envolve, por exemplo, durabilidade, manutenção e operação das edificações.
Na Arquitetura de Interiores, a partir das escolhas feitas pelos projetistas, estão presentes todos esses aspectos, e em várias escalas. Primeiro, na escala do projeto arquitetônico. O arquiteto pode, com as suas escolhas de diretrizes de projeto, melhorar aspectos de conforto térmico, por exemplo, permitindo estratégias como uso de ventilação cruzada no ambiente, quando adequado, ou influenciar de forma positiva no conforto lumínico com as escolhas que faz para o layout do ambiente, e posicionamento de aberturas e paredes.
Quando falamos de intervenções internas, as questões de layout influenciam nos parâmetros anteriores, o que vai afetar o desempenho da edificação ao longo da sua vida útil, que, pela Norma de Desempenho NBR 15575, está estimada em, no mínimo, 50 anos e, principalmente, vai afetar o conforto e bem-estar do usuário. A escolha de equipamentos pode também influenciar fortemente, e de forma positiva, no consumo de água e energia na operação da edificação ao especificar equipamentos eficientes.
Olavo Kucker – E, por outro lado, os materiais especificados nos projetos têm implícito um impacto associado à produção do material, desde a sua extração, fabricação, o que inclui o seu transporte e as suas possibilidades ou não de reciclagem e de impacto de resíduos na obra, o que influencia na cadeia do setor da construção como um todo. A escolha de materiais para as diferentes funções em termos de diretrizes de sustentabilidade e privilegiando fornecedores que apresentam relatórios de impacto ambiental e estão fortemente voltados a um desenvolvimento com base na sustentabilidade é muito importante para pressionar o setor no avanço do tema.
AAI Digital – Que tipo de decisões o arquiteto deve tomar?
María Andrea – Pensar em termos de sustentabilidade no projeto significa pensar nas melhores escolhas que sejam adequadas para o projeto em termos do local onde ele se encontra: usuários, tipologia e atividades a desenvolver nos ambientes. Em termos de escolha de materiais, é importante entender o processo de produção, se o fornecedor tem comprovação que ateste sobre o processo de produção do material e seus impactos. Isto é chamado de EPD (Environmental Product Declaration) ou Declaração Ambiental de Produto. É muito conhecido em países da Europa, contudo, no Brasil, de forma geral, apenas poucas empresas têm EPD de alguns produtos. Outras empresas não têm EPDs, mas mostram, de forma aberta, como é a composição dos seus produtos e o impacto que produzem.
Algumas certificações atestam materiais de alto desempenho. Por exemplo, se for especificar um equipamento consumidor de energia elétrica deveria ter ENCE nível A – Etiqueta Nacional de Conservação de Energia do Programa Brasileiro de Etiquetagem. Ou, melhor ainda, se tiver Selo Procel, que é dado para os equipamentos mais eficientes que tem ENCE nível A.
Olavo Kucker – É importante saber a fonte do material, o fornecedor, entender o impacto associado à sua produção, se, por exemplo, tratar-se de um material que tem conteúdo reciclado, mas que garanta durabilidade adequada à função específica. Ou no caso da madeira, por exemplo, exigir minimamente o DOF (Documento de Origem Florestal) ou, de preferência, que tenha selo FSC (Forest Stewardship Council) ou Cerflor (Programa Brasileiro de Certificação Florestal). Quantas vezes são especificadas madeiras nos projetos onde são exigidos documentos que atestam idoneidade da procedência do material?
Também é importante saber com relação à toxicidade do material durante o uso e instalação. Se esse material impacta no desempenho do edifício, qual o impacto esperado? Como é com relação à manutenção e limpeza? E o que acontece com o material ao final da sua vida útil, se pode ou não ser reciclado e em quais condições. Isso leva a importância de pensar em termos de economia circular, onde se garante que o material entre novamente no ciclo de produção, evitando o uso de matérias-primas virgens. Com isso, o objetivo é reduzir a pegada ambiental de fabricação desse material.
O transporte é outra das questões que influenciam no impacto dos materiais, por isso, privilegiar fornecedores locais e regionais é importante. Por outro lado, as questões devem ser pensadas em todo o ciclo de vida, por exemplo: o que acontece quando se desmonta algum ambiente, para onde vão os materiais? Podemos falar em materiais como móveis – o que acontece com eles, ou com os demais resíduos de uma obra? Será que a empresa contratada para a execução está dando um destino responsável aos materiais?
AAI Digital – Quais os principais desafios para incorporar itens de sustentabilidade em projetos de Arquitetura de Interiores?
María Andrea – De forma geral, os arquitetos precisam de um conhecimento mais profundo dos impactos associados aos materiais que especificam. Tanto em relação aos impactos associados à produção do material como aos impactos associados ao uso do material e o que ele promove no desempenho da edificação durante a sua vida útil. O pensamento do ciclo de vida é muito importante.
Por exemplo, se tomamos o caso do vidro: um vidro que é essencial para os ambientes, para a conexão com o ambiente interno e externo. Quando não tomados os cuidados adequados para a sua implementação, com o sombreamento necessário, dependendo das condições e orientação, pode gerar um calor excessivo no ambiente, o que vai fazer que sempre seja necessário o uso de ar condicionado, consumindo energia, dando maior gasto ao usuário ao longo da vida útil da edificação e contribuindo para as emissões de CO2.
Na especificação dos materiais, falta ainda entender qual a diferença entre os diferentes fornecedores, o que vai, muitas vezes, além da estética e vendo qual o impacto ambiental desse material que está sendo especificado no projeto. É claro que o arquiteto já tem que pensar no atendimento de uma grande quantidade de normas e fazer escolhas considerando esses múltiplos aspectos, mas as questões de sustentabilidade relacionadas, não só nos aspectos de impactos ambientais, mas também na saúde e bem-estar dos usuários nos ambientes, devem ser vistas com maior profundidade.
Olavo Kucker – Ambientes saudáveis, e que apresentam maior integração com a natureza, não só em termos paisagísticos, mas no uso de materiais, estão sendo alavancados pela integração do design biofílico nos projetos. Outros desafios estão voltados à tecnologia, a eficiência relacionada a um clima positivo com menores ou zero consumo energético e de água, de minimização de resíduos e todos integrados ao tema da economia circular. De forma geral, é necessário entender que as nossas escolhas são importantes para o futuro que queremos ver no nosso planeta.
AAI Digital – Qual o papel do arquiteto na orientação/educação do cliente em relação à importância da sustentabilidade?
Olavo Kucker – Acreditamos fortemente no papel do arquiteto não só como educador/orientador do cliente, mas como catalisador de grandes mudanças no setor produtivo da construção civil. Um setor grande da indústria da construção se move em função da especificação de produtos. Se são privilegiados produtos que sejam considerados mais sustentáveis, pode-se alavancar um desenvolvimento mais pautado nisso.
María Andrea – E com relação ao cliente, é importante deixar claro para os clientes o porquê das escolhas em termos de diretrizes de sustentabilidade. Talvez ainda nem todos os clientes estejam engajados nisso e valorizem essas escolhas, mas alguns estão. E, ainda, estudos mostram que boa parte das novas gerações tende a se importar com as escolhas em relação a produtos, equipamentos e serviços que estejam orientados à sustentabilidade.