O Museu Nacional do Qatar ‘emerge de um deserto que se aventurou no mar’. A descrição poética do arquiteto francês Jean Nouvel revela a importância desse espaço cultural e histórico que contrapõe à essência do país considerado o mais rico do mundo. O desafio de traduzir a transformação do passado nômade para uma potência econômica coube a ele.
“O Museu Nacional é obviamente dedicado à história do Qatar. Simbolicamente, sua arquitetura deveria evocar o deserto, com sua dimensão silenciosa e eterna. Mas também a modernidade e ousadia que veio perturbar o que parecia imperturbável para sempre. São, portanto, as contradições da história que tentei evocar”, revela Nouvel.
Museu Nacional do Qatar em números
O Museu levou 18 anos para sair do papel e custou 365 milhões de euros, sendo inaugurado em março deste ano. São 52 mil metros quadrados, com 213 ambientes, entre espaços expositivos permanentes e temporários e auditório. Há 11 galerias organizadas em círculos, um pátio centralizado para eventos culturais, um teatro e salas de aula destinadas ao ensino da culinária catari. Além disso, o espaço conta ainda com duas lojas de souvenirs, um restaurante panorâmico, um café, um centro de pesquisas e um parque reflorestado com plantas nativas. Aliás, o projeto de paisagismo do museu remete aos cenários típicos do Qatar, com dunas, pântanos e oásis. A área verde foi inteiramente projetada com espécies nativas e grandes gramados. O estacionamento, para 430 veículos, está integrado ao parque, para facilitar o acesso ao museu.
Os números são proporcionais à importância do petróleo e do gás para o país. Mas o espaço construído no terreno do Palácio Real do xeque Abdullah Bin Jassim Al Thani representa a evolução do Qatar no início do século XX. A construção do Museu, com discos sinuosos, elementos polidos em uma estética futurista preserva também a história do Palácio do monarca filho do fundador do Qatar moderno, antiga sede de governo nacional e casa da Família Real. O museu, de acabamentos neutros e monocromáticos, tem piso em concreto aparente polido, com tom de terra e pequenos minerais.
O Museu é presidido por Sheikha Al Mayassa bint Hamad bin Khalifa Al Thani, irmã do xeque Tamim bin Hamad Al-Thani, emir do Qatar. “Estamos mudando nossa cultura de dentro para fora. Mas, ao mesmo tempo, estamos reconectando com nossas tradições. É importante que cresçamos organicamente”, diz ela.
Rosa do deserto
O ponto de partida para o projeto foi a ‘rosa das areias’ ou ‘rosa do deserto’ que floresce sob as areias muito quentes por causa da evaporação de águas ricas em sais. As ‘pétalas’ desta formação mineral típica do deserto do Golfo Pérsico foram representadas, de forma poética e ousada, na arquitetura da edificação. Nela, Jean Nouvel iniciou o processo criativo para decifrar ao público a história do povo estabelecido nas cidades costeiras. Elas eram paradas para nômades e habitadas por pescadores de peixes e pérolas. Assim, a fauna, a flora, as populações nômades e as tradições são as primeiras características da história do país. Como resultado: calmaria perturbada pela evolução meteórica do Qatar.
A estrutura complexa tem um design que lembra grandes discos com diâmetros variados e curvaturas dando origem ao formato irregular. “Eu queria criar uma arquitetura que evocasse a geografia. E, de acordo com a tradição do lugar, um edifício preservado ao máximo do sol”, conta o arquiteto. Por isso, no lado de fora os discos que compõem a estrutura são amplos e proporcionam extensas áreas sombreadas no entorno próximo. A solução garantiu eficiência energética à edificação, classificada com quatro estrelas nos termos de sustentabilidade, de acordo com os critérios do Global Sustainability Assessment System. O museu é o primeiro a receber a certificação LEED Gold, um selo para construções verdes ao redor do mundo.
Uma experiência espacial
O projeto arquitetônico do Museu do Qatar por si só é uma experiência espacial. “Tomar a rosa das areias como ponto de partida torna-se uma ideia muito progressista. Para não dizer utópica. Eu falo de utopia porque, para construir um edifício de 350 metros de comprimento, com seus grandes discos curvos, suas interseções, seus elementos em balanço – tudo o que evoca a rosa das areias – era necessário levantar enormes desafios técnicos. Essa arquitetura está na vanguarda da tecnologia, como o Qatar”, explica Nouvel.
É assim que surge um prédio em que o visitante é surpreendido a cada passada. E essa era mesmo a ideia do arquiteto francês. Ele é reconhecido pela singularidade dos projetos em todo mundo e detentor de diversos prêmios e honrarias, tanto na França quanto no exterior, que atestam o reconhecimento do trabalho único. A ousadia de Nouvel, que também assina o prédio do Louvre de Abu Dhabi, construído em 2017, está na proposta de criar contrastes, dinâmica e tensão.
No Museu do Qatar, o arquiteto brinca em todo o interior com a relação entre forma e escala para, assim, criar espaços que não existem em qualquer outro lugar do mundo. São 1.500 quilômetros de galerias. A visita tem duração de duas horas e termina diante do antigo Palácio Real, restaurado. Durante o percurso o visitante tem contato com filmes de testemunhos sobre as belezas naturais, o passado nômade e preservação de documentos que retratam o reinado da família Al-Thani.
Fotos: Iwan Baan | Divulgação Ateliê Jean Nouvel