Instalados junto às vias, paralelos aos passeios, em parques e pátios residenciais ou condominiais, os jardins de chuva estão mudando a paisagem de muitas localidades, melhorando a absorção natural da água pelo solo, aumentando a umidade do ar, diminuindo as inundações e seus efeitos climáticos e sociais e trazendo a natureza para as selvas de concreto e, com ela, pássaros e áreas de sombra.
Além disso, essas estruturas, que são aberturas ajardinadas feitas abaixo do nível das ruas e preparadas com uma camada drenante, retardam o escoamento das precipitações e favorecem o ciclo hidrológico de abastecimento do lençol freático, permitem o intercâmbio das águas da superfície com as subterrâneas e evitam o empobrecimento do terreno por causa do ressecamento.
Em Nova York, 5 mil novos jardins de chuva (veja abaixo como eles surgiram) serão construídos no Brooklyn, Queens e Bronx, juntando-se aos 4 mil já existentes na metrópole. A expectativa é que, ao todo, esses 9 mil canteiros impeçam que cerca de 2 milhões de metros cúbicos de água sobrecarreguem o sistema de esgoto da Big Apple.
No Brasil, a capital paulista foi pioneira na implementação dessas estruturas em lugares como rotatórias e praças. Há também exemplos no Rio de Janeiro, Goiânia e Recife. “Em Bogotá (Colômbia) existem 15 humedales, que são áreas concebidas em parques para absorver a água da chuva. Nesses espaços são plantadas espécies de banhado para serem locais de acúmulo das precipitações e de manutenção da flora e fauna características”, relata a arquiteta e urbanista Léa Japur, que mantém escritório especializado em paisagismo em Porto Alegre (RS) desde 1992.
Ela observa que é comum os municípios desejarem se livrar logo da água que cai com as chuvas, mantendo as ruas lisas, asfaltadas, os passeios impecáveis e os riachos canalizados. “Mas, isso tem um preço. Com a redução drástica da permeabilidade do solo, aliada ao crescimento populacional e das cidades, a água passa a ter uma velocidade excessiva nas vias, pois nada dela penetra nos terrenos, sem possibilidade de reposição do lençol freático, transbordando rios e criando alagamentos”, descreve.
O ideal, explica Léa, seria que as precipitações fossem absorvidas de maneira uniforme onde elas caem. Nesse sentido, os jardins de chuva tornam-se uma opção fácil de implementar para amenizar esses problemas e sustentável, uma vez que as plantas utilizam a água coletada no canteiro para se manterem. “São também baratos e não interferem na paisagem, podendo ser usados em pontos de tráfego intenso de veículos”, acrescenta a arquiteta e urbanista Mônica Furtado, especializada em paisagismo e meio ambiente, com escritório na capital gaúcha desde 1997.
Mais consciência e divulgação podem impulsionar jardins de chuva no País
Um desafio para a disseminação desse tipo de estrutura no Brasil, avalia a arquiteta Mônica, é a maior conscientização sobre os benefícios dessa solução, que emprega a técnica e as propostas da Permacultura, que é uma forma sistêmica de pensar e conceber princípios ecológicos que podem ser aproveitados para o desenho urbano. “A pouca divulgação de iniciativas nesse campo é mais uma barreira a ser vencida para se ter mais desses canteiros nas cidades”, acredita.
Léa reforça que os profissionais que trabalham com criação e transformação de espaços têm a responsabilidade de encontrar alternativas que minimizem a dificuldade de penetração de água da chuva no solo de localidades altamente pavimentadas. Para isso, podem ser utilizados telhados verdes, drenos verticais, estratificação da vegetação para se ter maior capacidade de retenção da chuva nas folhas, troncos, caule e junto das raízes e preparar o terreno dos jardins para que estejam permeáveis.
Mônica comenta que já fez o estudo de um canteiro de chuva para uma residência, porém ele não foi implantado. “Estamos verificando a real necessidade desse processo nessa área privada. Talvez tenhamos que fazê-lo junto ao passeio público”, adianta. Já Léa afirma que ainda não desenvolveu nenhum projeto nesse sentido, mas previu em outros a absorção da água em drenagem vertical, com a canalização de concreto enterrada e preenchida com brita, dirigindo o escoamento para o jardim. “Usar, por exemplo, a vegetação em camadas – árvores, arbustos e forrações – permite, além de um solo rico em matéria orgânica, ser adaptada para qualquer espaço disponível e observada de diversos pontos”, ressalta.
Como fazer um canteiro que aproveita a chuva?
O primeiro passo é abrir passagens nos meios fios, passeios ou em outro lugar escolhido e rebaixar o jardim de maneira que a água da chuva possa desviar para dentro do mesmo. Em geral, as aberturas possuem cerca de um metro de profundidade e uma camada de drenagem feita com brita e areia. Após a preparação da terra e plantio, é preciso cobri-la com pedriscos.
Com relação à seleção das espécies para os canteiros, as arquitetas salientam que devem ser analisados o local, seu tamanho, insolação, volume de água que receberão e a vegetação já existente. Apesar de variar com a dimensão e outros fatores, estudos apontam que, pelo menos, 30% da água da chuva possa ser absorvida por essa estrutura. Entre as plantas mais indicadas estão as que toleram tanto estar secas como encharcadas, como Clúsias, Moreias e Capim Santa Fé. Outras possibilidades são: Verdélia, Beri-silvestre, Canna Indica, Capim Santo, Guaimbé e Pitangueira.
O homem que “plantava chuva”
Foi observando a forma como as chuvas escorriam pelo solo de suas terras sem serem absorvidas e como elas se acumulavam nas áreas inferiores, provocando erosão, que o agricultor Zephaniah Phiri Maseko transformou sua propriedade no semiárido do Zimbábue (África) e revolucionou a maneira de cultivar e de aproveitar a água. Ao identificar o caminho percorrido pela chuva no solo, Maseko foi construindo buracos e percursos nos quais colocou plantas que precisavam de menos água nas regiões mais altas e as que demandavam mais nos terrenos baixos. “Plantar a chuva” foi o nome dado por ele a essa solução, conhecida hoje mundialmente como jardim de chuva. Para ajudar outras pessoas e compartilhar seu conhecimento, Maseko criou também a ONG Zvishavane Water Project.
Fotos: Divulgação NYC Water