Há duas décadas, a Pantone vem apresentando a “cor do ano” ao mercado mundial, influenciando criações nas mais diversas áreas. Outros institutos e empresas também apostam na recomendação da cor que deverá impactar produções, como a Colour Future, da Coral, uma das marcas do grupo holandês AkzoNobel, o maior de tintas decorativas do mundo. Na Arquitetura de Interiores, essas recomendações, que geram tendências cromáticas, são vistas com cautela por profissionais do setor.
“A ‘cor do ano’ envolve conceitos estéticos de atualização e tendências. Estes conceitos vêm acompanhados das diversas variantes cromáticas que podem ser aplicadas nos ambientes”, pontua a arquiteta e urbanista Lisete Jardim. Em sua opinião, ela costuma ser mais empregada em ambientes residenciais, nos quais a amplitude cromática é mais intensa. “Contudo, o cliente deve solicitar ao arquiteto estudos e simulações do uso da ‘cor do ano’ de acordo com as características do ambiente a ser trabalhado”, ressalta a profissional.
Sintonia com os usuários
As cores são elementos fundamentais em projetos de Arquitetura de Interiores e precisam estar sintonizadas com as preferências dos usuários, em quaisquer ambientes. “A escolha das cores tem mais relação com as características de cada indivíduo, e menos com a escolha da ‘cor do ano’. Entretanto, na medida em que a oferta de móveis e tecidos, por exemplo, que usam a ‘cor do ano’ aumenta bastante, seguramente, forma-se um inconsciente coletivo que cria um facilitador para a escolha da cor. Serve como argumento de venda”, avalia a arquiteta e urbanista Tania Bertolucci de Souza. Ela afirma que não gosta de pautar seu trabalho em tendências, reforçando que acredita na Arquitetura como uma potente ferramenta para melhorar a vida das pessoas. “Desta forma, penso que a ‘tendência’ é planejar e construir espaços que potencializem a felicidade e o bem-estar dos clientes. Certamente, as cores são fundamentais neste processo”, ressalta.
Segundo Tania, poucas vezes os clientes solicitam a “cor do ano” como premissa dos projetos. “Percebo, entretanto, que algumas tonalidades se afirmam no gosto do público e se mantêm muito fortes durante anos, como o cinza, o fendi, independente da chamada cor do ano. Com isso, reforço o conceito de inconsciente coletivo: uma vez lançada de forma adequada se expande para além do ano, se tornando um básico”, avalia.
O azul profundo, anunciado pela Pantone como a cor do ano 2020, foi explorado por Tania e sua sócia, a arquiteta e urbanista Carolina Nuernberg, em 2017, no espaço Galart, galeria de arte criada para Mostra Elite, em Porto Alegre. Naquele ano, essa era uma das opções de destaque da cartela da Tintas Renner. “Escolhemos o azul profundo para harmonizar com a exposição de telas do Fukuda, servindo como elemento de união entre as várias cores usadas pelo artista”, explica Tania.
Conceito desenvolvido por trás da “cor do ano”
A Pantone estabeleceu que a cor de 2020 é o Classic Blue 19-4052 e a Coral anunciou a cor Praça no Inverno, um tom entre “o verde, o azul e o cinza”, como define a marca. Enquanto a Pantone inspirou-se no tom do céu noturno, a Coral inspirou-se no tom do céu pela manhã, no “novo alvorecer”.
A Praça no Inverno segue o tema do Colour Futures 2020, definido pelo Centro Global de Estética da AkzoNobel: o toque humano. Quatro paletas foram criadas ao redor dela, expressando diferentes conceitos. “Uma casa para cuidar e criar conexões positivas; uma casa para se divertir e vivenciar alegria; uma casa para se reconectar e sonhar; uma casa para criar e redescobrirmos quem somos”, explica Helena Van Gent, diretora de criação do Centro d e Est&ea cute;tica Global AkzoNobel.
Com o Classic Blue, a Pantone deseja expressar “uma sensação de paz e tranquilidade ao espírito humano, evocando um porto seguro onde se refugiar”. Calma, confiança e resiliência são os sentimentos em destaque, ancorados na aspiração do ser humano por uma base sólida e estável ao adentrar o limiar de uma nova era, conforme conceituação da marca.
“É interessante observar que elas têm avaliações e resultados bem diferentes e, até, opostos”, observa a designer e consultora de cores Renata Rubim, pioneira em design de superfície no Brasil. Renata enfatiza que valoriza a liberdade de escolha. “Pessoalmente, considero uma certa ditadura as pessoas se submeterem às regras impostas por uma determinada marca”, pontua.
Entre adotar, ou não, recomendações de quaisquer marcas para o uso de cores na Arquitetura de Interiores, e em qualquer período, é preciso ressaltar que a Arquitetura é feita para pessoas, o que antecede qualquer tipo de recomendação que tenda a generalizar um ou outro insumo como tendência. Essa é a opinião da arquiteta e urbanista Gislaine Saibro, vice-presidente da AAI Brasil/RS. “As paletas indicadas servem para inspirar e ressaltar conceitos de uma determinada época”, considera.
Cor do ano
Em relação à “cor do ano” anunciada pela Pantone, Renata Rubim reflete: “por que, numa era de alta e sofisticada tecnologia, a cor escolhida vem com um nome composto da palavra Classic? Se é ‘clássico’ é porque é conhecido, é tradicional, não traz surpresa”, pondera. E ela questiona: “qual o significado de se inspirar num valor assim? É para sentir segurança? O presente está inseguro e o futuro pode ser ameaçador?”.
No comunicado oficial da marca, a diretora executiva do Pantone Color Institute, Leatrice Eiseman, apresenta a argumentação. “Vivemos uma época na qual é preciso ter fé e confiança. Essa certeza e constância são expressas pelo Pantone 19-4052 Classic Blue, uma cor sólida e confiável na qual sempre podemos nos apoiar”, disse.
“A minha avaliação do azul escolhido é que é um tom bastante agradável e que possibilita uma grande variedade de interações e combinações. Não chega a ser o azul marinho antigo, mas tem uma tonalidade de mar profundo que se associa a viagens, cruzeiros, natureza, férias e lazer. É bastante mediterrâneo, no meu entendimento… E isso traz significados agradáveis”, considera Renata Rubim.