Considerado um fenômeno mundial na Arquitetura contemporânea do século XX, o arquiteto chinês naturalizado americano Ieoh Ming Pei deixou um legado de obras em diversos países. O arquiteto sorridente de óculos redondos conquistou o mundo com criatividade e ousadia, especialmente a partir do projeto da icônica pirâmide do Museu do Louvre, em Paris, no final dos anos 1980. Pei faleceu no último dia 16 de maio, aos 102 anos, em Nova Iorque, onde morava.
Ieoh Ming Pei nasceu em 26 de abril de 1917 em Cantão, na China, a cerca de 120 km ao norte de Hong Kong. Filho de um banqueiro e de uma flautista especialista em caligrafia, I.M. Pei foi criado em Suzhou, considerada a ‘Veneza do Oriente’. A mudança da família para Xangai, em função do trabalho do pai, influenciou sobremaneira a sua trajetória. Na mais cosmopolita cidade chinesa, o menino de apenas nove anos ficou fascinado com a construção de um hotel de 25 andares em Xangai. Nessa época, certamente ele nem imaginava que faria parte da história da arquitetura mundial.
Primeiros passos na arquitetura
O contato com a Arquitetura começou em 1935, com a sua mudança para os Estados Unidos para estudar na Universidade da Pensilvânia. Logo depois, transferiu-se para o Massachusetts Institute of Technology, onde recebeu o título de bacharel em Arquitetura, em 1940. Em 1948, estudou Harvard Graduate School of Design e foi aluno de Walter Gropius, fundador da Bauhaus.
O primeiro emprego foi na Webb & Knapp, em Nova Iorque. Ieoh Ming Pei foi contratado por William Zeckendorf para supervisionar o projeto de edifícios desenvolvido pela empresa e entrou no universo dos arranha-céus. Essa experiência possibilitou que, em 1955, ele fundasse a própria empresa, a IM Pei & Associates, mais tarde nomeada Pei Cobb Freed & Partners. Nos primeiros anos, executou projetos para Zeckendorf, como o Kips Bay Plaza, em Nova Iorque; Society Hill, na Filadélfia; e Silver Towers, também em Nova Iorque. Na época, todos esses edifícios tinham em comum as fachadas em concreto quadriculadas.
Obras por todo o mundo
Em 1964, o talento e o pragmatismo de Pei alcançam expressividade mundial por impulso de Jacqueline Kennedy. A ex-primeira-dama norte-americana selecionou o arquiteto para projetar a Biblioteca J.F. Kennedy em homenagem ao marido. O espaço, inaugurado em 1979, é um marco no começo da carreira de Pei. Em 1985, projetou a nova sede do Banco da China em Hong Kong, com torre de 315 metros de altura – o 12º arranha-céu mais alto do mundo no ranking atual. O edifício é caracterizado por uma mistura harmoniosa de arquitetura moderna com design tradicional chinês. Suas quatro hastes em forma de prisma refletem os raios do sol como um cristal brilhante. Uma obra de arte geométrica revestida em uma parede de cortina de vidro e alumínio diante do porto Victoria. O projeto da edificação conquistou diversos prêmios, incluindo o AIA Reynolds Memorial Award em 1991, conferido pela American Institute of Architects (AIA).
No entanto, a expressividade de Pei na Arquitetura ainda traria muitas outras obras memoráveis. O presidente francês François Miterrand convidou o arquiteto para ‘repensar’ o Museu do Louvre. O audacioso projeto da Pirâmide de Vidro, concluído em 1989, é considerada a obra de Pei mais conhecida mundialmente. Contudo, na galeria da trajetória profissional do arquiteto, há vários edifícios emblemáticos como o World Trade Center Barcelona, em Barcelona, Espanha; a National Gallery of Art, em Washington D.C; e o Rock & Roll Hall of Fame e Museum, em Cleveland, Ohio, ambos nos Estados Unidos.
Reconhecimento internacional
A precisão geométrica e o constante uso de elementos abstratos em projetos essencialmente compostos por pedras, aço e vidro conferiram a Ieoh Ming Peio reconhecimento em distinções internacionais. Entre elas, a prestigiada Medalha de Ouro do Instituto Americano de Arquitetos; a Medalha de Ouro do RIBA; o Prêmio Pritzker de Arquitetura; e o Prêmio Imperial japonês.
O ‘Nobel da Arquitetura’, o Pritzker Prize, foi concedido a Pei em 1983 e revela a importância do arquiteto, de projetos ousados e pragmáticos.
“Ieoh Ming Pei deu a este século alguns dos seus mais belos espaços interiores e formas exteriores. No entanto, o significado de seu trabalho vai muito além. Sua preocupação sempre foi o ambiente em que seus edifícios se erguem. Ele se recusou a limitar-se a uma gama restrita de problemas arquitetônicos. Seu trabalho, nos últimos quarenta anos, inclui não apenas palácios da indústria, governo e cultura, mas também habitações populares. Sua versatilidade e habilidade no uso de materiais o aproximam do nível da poesia. Seu tato e paciência lhe permitiram reunir povos de diferentes interesses e disciplinas para criar um ambiente harmonioso”, descreveu o júri do Pritzker. Com o dinheiro do prêmio, Ieoh Ming Pei criou uma bolsa para chineses interessados em cursar Arquitetura nos EUA.
Em seu discurso, na cerimônia de premiação, Pei ressaltou que a Arquitetura é uma arte pragmática e que, para se tornar arte, deve ser construída sobre uma base de necessidade. “É fácil dizer que a arte da Arquitetura é tudo; mas quão difícil é introduzir a intervenção consciente de uma imaginação artística sem se desviar do contexto da vida. É essa fragilidade, essa preciosidade que eleva e distingue essa forma de arte. É isso que envolve contexto que nos desafia a transformar o planejamento e construir oportunidades no reino exaltado de Arquitetura”, frisou.
Aposentadoria
Sua aposentadoria ocorreu oficialmente em 1990, mas ele continuou a criar projetos emblemáticos. Em Berlim, por exemplo, 13 anos depois da aposentadoria, projetou um audacioso anexo ao Museu Histórico Alemão. Entre seus mais recentes projetos, o incansável arquiteto projetou o Museu de Arte Islâmica em Doha, Qatar, inaugurado em 2008. Inspirada na mesquita Ibn Tulun no Cairo, a edificação surgiu como um prazeroso desafio para Pei que sempre colecionou obras expressionistas abstratas ocidentais, mas admitiu conhecer pouco sobre a arte islâmica.
É assim, com uma trajetória de 102 anos, que Ieoh Ming Pei confirma-se como um dos grandes nomes da
Arquitetura mundial. Cruzou os mares, enfrentou a diversidade cultural, a burocracia e o preconceito em relação à inovação para imprimir seu traço na história. “Vamos todos estar atentos às novas ideias, ao avanço dos meios, ao surgimento de necessidades e aos ímpetos de mudança para que possamos alcançar, além da originalidade arquitetônica, uma harmonia de espírito a serviço do homem”, enfatizou Pei em seu discurso na cerimônia de entrega do prêmio Pritzker. Um conselho sem prazo de validade.
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