A Arquitetura de Interiores está, atualmente, entre as principais atividades das empresas e dos escritórios de Arquitetura brasileiros. Pesquisa divulgada recentemente pelo Conselho de Arquitetura de Urbanismo (CAU/BR) aponta que esta é a segunda principal atividade declarada, tanto dos profissionais autônomos (68%) como das empresas de Arquitetura (71%), atrás apenas do item chamado “Projetos de Arquitetura” – 87% e 89%, respectivamente.
“O Curso de Arquitetura e Urbanismo é, conceitualmente, um curso generalista, ao contrário de outros, como o da Medicina, por exemplo, em que o egresso passa a atuar profissionalmente somente após passar um período de residência médica em alguma especialidade. Nessa nossa ‘generalidade’, a Arquitetura de Interiores comparece com muito pouca relevância a contribuir para a formação do futuro arquiteto”, pontua o arquiteto e urbanista Claudio Fischer, coordenador da Comissão de Ensino e Formação (CEF) do CAU/RS. Para ele, a quantidade destes conteúdos específicos deveria ser reestudada nos cursos de graduação em Arquitetura, já tão compactados em 3.600 horas.
Só 1% dos planos pedagógicos
Uma pesquisa realizada pelo CAU/RS, segundo o professor Claudio Fischer, revela que os conteúdos de Arquitetura de Interiores correspondem a apenas 1% dos planos pedagógicos dos 30 cursos de Arquitetura e Urbanismo oferecidos no Rio Grande do Sul. “No momento, aparentemente, a pesquisa demonstra que as escolas priorizam outras áreas de conhecimento”, reforça, referindo-se à pesquisa realizada pelo CAU/RS junto às faculdades de gaúchas.
A arquiteta e urbanista Marta Peixoto, pioneira e uma das principais incentivadoras do ensino de Arquitetura de Interiores no Rio Grande do Sul, compartilha da opinião sobre a representatividade da formação específica nas grades curriculares. Mestra e Doutora em Teoria História e Crítica, ela conduziu bate-papo sobre o tema no evento promovido pela AAI Digital no dia 22 de agosto, em Porto Alegre, por iniciativa da AAI Brasil/RS. “Hoje em dia, há um pouco mais sobre Arquitetura de Interiores nas faculdades se compararmos com dez anos atrás”, reconhece Marta. Porém, ela avalia que o tema deveria “aparecer mais” nos currículos.
“Talvez como um Projeto, com enfoque mais específico, por exemplo, como eu consegui fazer na UFRGS”, reforça. Marta é professora do Departamento de Arquitetura da UFRGS e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura PROPAR-UFRGS, do qual é a atual coordenadora. Em 2006, quando ingressou como professora na UFRGS, começou a ministrar uma disciplina opcional de Arquitetura de Interiores. Quatro anos mais tarde, o conteúdo passou para uma disciplina regular de Projeto, ministrada até hoje, com carga horária de dez horas semanais.
Grades curriculares enxutas
Conforme a Lei 12.378/2010, as atividades do arquiteto e urbanista aplicam-se a diversos campos de atuação, definidos a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais que dispõem sobre a formação do profissional. Isso inclui “Arquitetura de Interiores, concepção e execução de projetos de ambientes”. Portanto, é conteúdo obrigatório, como enfatiza a Comissão de Ensino e Formação (CEF) do CAU/BR. Entretanto, de acordo com o órgão, a ênfase ou a predominância em determinados campos é estabelecida pelo Projeto Político Pedagógico e Perfil do Egresso, conforme intenções de cada curso.
Presente no debate promovido pela AAI Brasil/RS, o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da UniRitter, o arquiteto e urbanista Miguel Farina, ressaltou que, atualmente, as grades curriculares são enxutas e, por isso, acabam por formar de fato generalistas, onde o “currículo mínimo” para a graduação, termina por ser o próprio currículo das instituições de ensino. “Porém, o mercado é especializado”, enfatizou, com certa preocupação.
Já o arquiteto e urbanista Rinaldo Barbosa, coordenador do Curso de Especialização em Arquitetura de Interiores da UniRitter, destacou a importância da formação generalista, que proporciona a base para a atuação em todos os segmentos e reconhece a crescente oferta de especializações. “As diretrizes curriculares da Arquitetura e Urbanismo preconizam a formação de um profissional generalista, versado em todas as suas áreas de atuação profissional, cabendo o aprofundamento dos temas às especializações e formação continuada após graduação”, explica Rinaldo. Contudo, lamenta: “infelizmente, essa prática de buscar a especialização formal ainda é pequena”.
A UniRitter foi pioneira em especialização em Arquitetura de Interiores no Estado. Oferecido desde 2000, o curso de pós-graduação iniciou com a colaboração da AAI Brasil/RS em sua primeira edição. Desde então, a entidade tem contribuído com palestras e aulas específicas sobre as práticas profissionais, como o faz também junto a outras instituições do ensino.
Parte dos currículos
Na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), a Arquitetura de Interiores integra o currículo regular desde 2007. A iniciativa mereceu o Prêmio Destaque, conferido pela AAI Brasil/RS, entregue em 2008 ao professor Paulo Horn Regal, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS à época. Desde então, a disciplina “Ateliê de Arquitetura de Interiores” é ministrada no oitavo semestre, com três horas/aula semanais. De acordo com as professoras do Curso de Arquitetura e Urbanismo, Cristiana Brodt Bersano e Leila Nesralla Mattar, nesta fase os alunos estão mais “maduros” e com condições de desenvolver projetos com o detalhamento necessário, sugerindo inclusive alterações nas instalações elétricas, por exemplo. Segundo elas, a disciplina adota como estratégia de ensino o incentivo à ousadia, à originalidade e à inovação com ênfase nos acabamentos e na atenção aos detalhes.
Na Unisinos, o conteúdo de Arquitetura de Interiores está presente em disciplinas de prática de projetos relacionadas a duas áreas de atuação profissional: Arquitetura Comercial e Arquitetura Residencial. “Na primeira área, temos o Curso de Especialização em Arquitetura Comercial desde 1996, o qual deu origem à disciplina optativa da graduação de Arquitetura Comercial da qual sou professor e existe desde 2000”, explica o arquiteto e urbanista Fernando Duro, professor da instituição. Em relação à segunda área citada, ele acrescenta que a faculdade oferece a disciplina “Interiores Comerciais”, ministrada pela arquiteta e urbanista Vera Mascarello, a qual, atualmente, é obrigatória na grade curricular.
A Unisinos ainda oferece o curso de extensão “Arquitetura de Interiores: o habitar contemporâneo”. Para Fernando Duro, o desafio é a comunicação de uma forma geral. “Precisamos discutir nossos pensamentos sobre a Arquitetura. Na Associação, temos a revista AAI Digital, que é um exemplo para dar voz aos profissionais em assuntos pertinentes da área”, destacou ele no debate sobre o tema promovido pela AAI Brasil/RS. O evento também contou com a presença dos professores convidados Vera Mascarello (Unisinos), Karen Hass (Unisinos) e Betina Fittipaldi (UniRitter).
A possibilidade de complementação da formação oferecida em cursos de pós-graduação, quer seja de Especialização ou Mestrados e Doutorados, deve ser vista com atenção, na opinião do professor Claudio Fischer, da Comissão de Ensino e Formação – CEF-CAU/RS. “Nenhum curso complementar gera outras atribuições profissionais àquelas já conferidas na graduação”, pontua. Segundo ele, uma das hipóteses que está sendo estudada na Comissão de Ensino e Formação do CAU/BR, é incluir um período de residência profissional na formação “Então, o egresso poderia encaminhar-se a uma atividade mais focada, oportunizando seu interesse”, frisa.
Ensino a distância
Na constante luta pela qualificação do ensino e da prática profissional da Arquitetura e Urbanismo, em geral, o CAU tem combatido a oferta de cursos na modalidade de Ensino a Distância (EaD). “Arquitetura e Urbanismo é um ofício que, da mesma forma que a Medicina, o Direito, a Farmácia, a Odontologia, entre outras importantes profissões, tem seu exercício regulamentado por relacionar-se com a preservação da vida e bem-estar das pessoas, da segurança e integridade do seu patrimônio, e da preservação do meio ambiente”, segundo divulga a Comissão de Ensino e Formação do CAU/BR – CEF-CAU/BR. Por intermédio desse entendimento, o órgão ressalta a exigência, na formação, do acompanhamento presencial e de forma muito próxima em ateliês, canteiros de obras, experimentações laboratoriais e outros espaços vivenciais, essenciais para a construção coletiva do conhecimento.
CAU/RS contra o EaD
O CAU/RS foi o primeiro Conselho do país a manifestar-se contrário à existência de Curso de Arquitetura e Urbanismo em EaD, comunicando, oficialmente, que não efetuará o registro de profissionais que se formarem nessa modalidade. “O EaD precisa ser entendido como mais uma ferramenta de ensino, e não como um modo de aprendizado. Esse instrumento pode ser muito útil para algumas partes complementares que compõem a diretriz curricular da formação profissional, mas é impossível de ser aplicada nas chamadas disciplinas profissionalizantes, as que estão ligadas essencialmente à atribuição do arquiteto e urbanista”, enfatiza o professor Claudio Fischer.
Ele argumenta que, assim como um aluno de Medicina não pode aprender a manipular um bisturi apenas observando os procedimentos numa tela de computador, na Arquitetura é impossível ministrar disciplinas essenciais, como Projeto de Arquitetura, à distância. “Todos os passos de projetação exigem um treinamento muito pessoalizado e particularizado na relação professor-aluno, que se somam à sociabilização das etapas de formulação, em painéis de apresentação e discussão coletiva”, reflete.
Segundo ele, as entidades brasileiras de Arquitetura e Urbanismo estão acompanhando o trabalho de reestruturação das Diretrizes Curriculares Nacionais, no qual referências explícitas sobre EAD estarão disciplinadas. “Elas serão apresentadas ao MEC, possivelmente ainda este ano, por intermédio da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), com participação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU”, revela. Claudio Fischer observa, ainda, que os cursos em EaD são muito difíceis de serem fiscalizados. “Não há como observar como se dá o processo, neste tipo de curso, o qual fica sujeito a toda sorte de falhas”, alerta.
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Na Galeria de Imagens, os registros do bate-papo promovido pela AAI Digital.
Fotos: Cíntia Rodrigues | Divulgação AAI Brasil/RS